sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O Governo Titanic

Metáfora alguma poderia rotular melhor este Governo de José Sócrates, Eng.º e do Partido Socialista, S.A. (não, não é Sociedade Anónima, é Sem Alegre) que a “lenda” desse “…ponto de referência simbólico muito poderoso” que foi o transatlântico Titanic.
O colosso “insubmergível”, “indestrutível”, “o maior prodígio da engenharia do começo do século, famoso ainda antes de zarpar” consentia que 4 dos seus 16 compartimentos estanques do porão se inundassem sem que, mesmo assim, se afundasse. De tal modo que, por desprestigiante e desnecessário, não tinha botes e coletes salva-vidas suficientes para todos os passageiros.
Escusado será dizer que pereceram nesse naufrágio 75% dos pobres emigrantes que iam a bordo e 38% dos ricos.
A similitude da metáfora, passe o pleonasmo, é impressionante.
Descontando o Primeiro, dezasseis é, também, o número de ministros do actual governo.
Também este governo, famoso ainda antes de zarpar graças a Santana Lopes e Jorge Sampaio, é uma prodigiosa obra de engenharia política, resultado da correcção dos erros do navio anterior (Guterres) e das artificiais Novas Fronteiras (título americano, de resto).
Armador (quem será?) e Capitão (Sócrates) desprezam sobranceiramente as advertências de que a rota está pejada de icebergues.
A certeza de que nada os pode impedir de chegar ao fim do mandato sem erros e percalços e de repetir uma nova maioria é tal que ninguém ousa alvitrar sequer a hipótese de que podem sair derrotados (pelo Povo) nas eleições de 2009. Também a White Star, proprietária do Titanic, vendia então a muito bom ritmo, em Nova Iorque, as passagens para a viagem de regresso à Europa, esta mesma Europa que tanto brilho dá a Sócrates e a Lisboa.
Uma orquestra anima os serões (Constâncio no violino, Vara alternando entre as caixas de percussão e o trombone, Coelho no fagote e Vitorino, sem ofensa, no contrabaixo, entre outros de menor importância e capacidade de afinação), dando música aos “de cima” (opereta BCP), enquanto os “de baixo”, apinhados nos IC’s 19’s, Metros e Carris, sufocados pelo preço do pão, do leite, da carne, do peixe, do petróleo, da consulta, da urgência, do medicamento, da creche, do manual escolar, da água, da luz, do IVA, do raio do juro do crédito da casa, espreitam pela escotilha, ansiosos, o fim da viagem, recordando o palmo de terra que deixaram para trás (mas onde tinham a couve e a galinha a bicar o chão), sonhando uma Terra Nova onde não haja engenharias ilusórias e os deixem morrer saciados, pelo menos, por um sonho de felicidade.
Porém, como escreveu Thomas Hardy, “Enquanto o soberbo barco crescia em tamanho, graça e cor, na distância silente e sombria crescia o icebergue”.
Que icebergue, silencioso e sombrio, poderá ser, ou terá sido, este?
Será o gélido e vil metal, a economia (estúpida!), o capital? Talvez não seja. Sendo sombria não é, contudo, silenciosa.
Será a sociedade? Silenciada pelo medo, sombreada pelo subsídio, acabrunhada pelo desemprego? Uma pequena porção à tona (quais 3% de um défice social de justiça e dignidade) e uma enorme parcela de povo afogada por impostos e encargos.
Ou será, tão só, um valor, uma referência fundadora, muda, tranquila? Será, tão só, a Liberdade?
Será possível que o Governo tenha colidido com a Liberdade?
Não, não é possível!
A orquestra pára, por momentos, sentindo a vibração nas notas (musicais) enviesadas. Continua, porém, tão digna quanto timorata.
Ninguém, no navio-governo, se assoma do convés para perscrutar o rombo no casco, ensurdecidos pelo calor do poder, aquecidos pela cálida melodia das notas.
Quatro compartimentos do porão inundados até às narinas (Saúde, Educação, Justiça e Obras Públicas) e o colosso, impávido, prossegue viagem. Outros tantos (Economia, Finanças, Administração Interna e Agricultura) meio cheios, meio vazios, tentam aguentar a nau, camuflando a tormenta. De mentira em mentira, de promessa frustrada em promessa por cumprir, algum tempo mais, ainda, seguirá este Governo, titulando professores, facilitando alunos, abjurando doentes, aviando aeroportos, pontificando pontes, encarrilando tgv’s, desmobilizando funcionários, desempregando recibos verdes, calando trovadores e, pior que tudo, não enfrentando onde devia enfrentar, não cortando onde devia cortar: do topo para a base, do litoral para o interior, do centro para a periferia.
O Governo Titanic, qual socrático navio, pode bem “simular a ignorância ou parecer mais estúpido do que na realidade é” (Jostein Gaarder), enquanto, julgando ouvir dentro de si uma voz divina, julga saber o que é correcto, julga agir correctamente, a todo o vapor mantendo a sua rota rumo ao destino. Que será, afinal, não o progresso, mas sim, o Portugal submerso.
Ou, voltando a Steven Biel, “…se se perguntar quando é que as coisas começaram a ir de mal a pior, o ‘Titanic’ é um ponto de referência simbólico muito poderoso”.

Luís Mota Bastos, jurista.
Vila Real, 25 de Janeiro de 2008
(Publicado no semanário "A Voz de Trás-os-Montes de 01-02-2008)

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Citações de:
“Século XX – Homens, Mulheres e Factos que mudaram a História”, Edição Público – El País;
“O Mundo de Sofia”, Jostein Gaarder, Editorial Presença, Lisboa, 1995

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